Quantas vezes vivemos situações em que conhecemos uma pessoa de uma forma inusitada e esta pessoa passa a ser nossa amiga para sempre? E quantas outras vezes já abrimos espaço para uma pessoa, tendo a certeza que, aparentemente é uma pessoa legal e depois não achamos a forma de nos “livrar” da mesma.

Cada vez mais, precisamos resgatar valores – que por algum tempo pareceram estar perdidos – como é o caso da confiança. Voltar a confiar nas pessoas pode ser um caminho justo e uma prova disso é o uso, cada vez mais frequente, de plataformas de compartilhamento como o Airbnb e Uber. Hospedar alguém, ou ser hospedado por pessoas e não por hotéis, e compartilhar veículos através de motoristas de aplicativo, onde em ambos os casos a grande sacada é a avaliação e a confiabilidade. Ninguém quer ser mal avaliado, nem de um lado, nem de outro. E por isso, as coisas funcionam. É um círculo virtuoso que se forma.

Sistemas inteligentes de cruzamento de informações que permitem verificar se o hóspede já “aprontou alguma” por aí (no caso do Airbnb), ou se o motorista do Uber conduziu de forma perigosa é alimentado pelos próprios usuários. Claro que há uma gestão por trás disso, mas a ideia dos aplicativos (também conhecidos por plataformas) é unir interesses. Um precisa de carona e outro tem um carro ocioso, então, aproximem-se e proporcionem benefícios mútuos. Ou seja, confiar é algo que está voltando a ser testado. Por mais que as plataformas de compartilhamento nos ajudem a ter mais segurança, no final tu precisas escolher se confia ou não.

Eu já vivi experiências de Uber e Airbnb em Montevideo (Uruguai), Cuenca (Equador), Madri (Espanha), Lisboa (Portugal), EUA em várias cidades, no Brasil muitas vezes e nunca tive nenhuma surpresa negativa. Aliás, sejamos justos, em Montevideu tinha tanto cheiro de cigarro no apartamento que precisei desisti do Airbnb. Mas foi só este caso.

Mas o que está realmente em jogo é a confiança. Eu mulher, muitas vezes sozinha, me sinto vulnerável sim, mas e aí: voltar para o taxi? (da ultima vez que peguei taxi jurei nunca mais). Hotel nem sempre é viável. Como fazer? Confiar. A economia moderna também considera que bens relativamente caros não podem ficar ociosos, pois tem custo social e particular. Cada vez mais se considera usar menos os carros particulares e usar as plataformas de compartilhamento.

Em 2013, o jornalista estadunidense Thomas Friedman proclamou que a verdadeira inovação do Airbnb não era sua plataforma ou seu modelo de negócios, mas sim a confiança. Em uma conferência de 2014, o investidor da Uber, Shervin Pishevar, disse que compartilhar nos levaria de volta a uma era mítica do passado, de vida comunitária de baixo impacto.

Falando especificamente dos carros, há uma tendência de reduzir seu uso. Porque o custo para – normalmente – transportar uma única pessoa é alto, além de lotar as vias urbanas. Como não dá para “passar a limpo” a cidade e começar novamente com vias mais largas (que também não é uma boa ideia pois vias mais largas “despersonaliza a cidade”), teremos sim que considerar usar os bens em seu máximo, ou seja, gerar ganhos de eficiência.

E ao compartilhar o que vivenciamos? Conhecer pessoas, realidades é uma forma de nos melhorarmos? Eu acho que sim. Até porque nunca deixo de saber sobre a pessoa que está dirigindo o Uber e sobre quem abre seu imóvel para eu morar durante alguns dias.

É a nova economia que pensa que o acesso é melhor do que a posse. Uma provocação à todos nós, para aprender a desaprender e nos desapegar de modelos antigos. Os conceitos de disrupção e transformação digital e tecnológica nos fazem absorver novos hábitos, mas sempre com um olho voltado ao comportamento das pessoas em relação a isso.

Serão as plataformas de compartilhamento uma oportunidade para as pessoas voltarem a conviver mais? Para as trocas humanas se potencializarem? No prédio que moro, minha vizinha Susana Chinatto Mattioni separa o lixo da casa em várias partes para entregar aos recicladores específicos. Fiquei sabendo disso e me propus a fazer o mesmo dentro de casa, mas entrego a ela para que ela faça a gestão com as pessoas. Pensamos em propor isso ao prédio todo, ou a quem se sentir à vontade. É uma forma “caseira” de compartilhar soluções. Poderíamos imaginar outras mais. Mas certamente, em tudo, há um ingrediente muito importante. É preciso confiar.